Há uma enorme defasagem entre o que os estudantes leem e o que deveriam ler. Trata-se de reflexo do que ocorre em todo o país, pois não existe um hábito muito arraigado de ler, não há essa cultura, uma vez que a leitura quase que exclusivamente se associa aos bancos escolares e à avaliação. Isso precisa ser desmistificado.
A literatura é uma das modalidades mais ricas, onde a fantasia é sempre presente e se refere invariavelmente a determinada realidade, contribuindo fortemente para a formação integral da pessoa, além de exercer uma função social importante, principalmente frente ao jovem leitor, iniciante em sua trajetória para a construção do conhecimento.
A natureza dos contos infantis é a mesma da que se destina aos adultos, porém com um diferencial: o leitor é a criança, sendo que a matéria é adequada ao entendimento e motivação do jovem público. Transforma-se em um ato de aprendizagem a partir do momento em que o livro infantil contém uma mensagem para a criança, enquanto leitora, que lhe permite adquirir uma experiência transmitida por um adulto, que é o escritor.
Afastando-se do aspecto meramente didático e com conteúdo mais denso, a literatura infantil está voltada para a criatividade que busca divertir esse jovem público e ao mesmo tempo estimular sua consciência crítica diante dos novos valores vigentes.
A literatura infantil traz diversos gêneros textuais, dentre eles, o conto, que é uma narrativa curta e que se utiliza, ainda, da técnica da repetição ou reiteração de elementos que procuram manter a atenção e o interesse do jovem leitor.
Nos primórdios, a literatura infantil era eminentemente fantástica: mitos, lendas, sagas, cantos rituais, que representavam as vicissitudes humanas. Na atualidade, com o avanço da ciência e da tecnologia, há novos heróis, ligados a situações mais reais, apesar de continuarem a coexistir os antigos contos e os heróis modernos, porém sempre com o elemento “maravilhoso”.
Daí surgirem os “contos maravilhosos”, próprios da tradição oral, onde o mundo é fantástico, há personagens vivendo uma situação irreal, em um tempo e em um lugar nem sempre muito bem delimitados e do qual fazem parte os contos de fadas.
Contém mistério, situação sobrenatural e buscam incutir expectativa e outras sensações no pequeno leitor, em geral com um desfecho nem sempre verossímil. São narrativas de histórias de encantamento que mostram seres mágicos que podem mudar o destino humano. Porém, o jovem leitor não se distancia da realidade, pois os acontecimentos, aparentemente irreais, levam-no a vivenciar os personagens em sua imaginação, pois são situações atraentes.
Alguns elementos estão sempre presentes nos contos maravilhosos: as fadas, os enigmas, a magia, os valores ideológicos (o certo e o errado), a força do destino; a onipresença da metamorfose (seres podem ser encantados por um ente maléfico e transformados em coisas e depois desencantados), a ambição desmedida, mas sempre com soluções benignas.
Esses contos acabam por trazer um dilema existencial, que permitem que a criança aprenda com o problema, principalmente por apresentá-lo de forma simplificada, mas que poderá vir a auxiliá-la a lidar com situações do cotidiano, a partir da utilização de sua criatividade e de sua imaginação, próprias da infância.
A diversidade da conduta dos personagens poderá ser útil à criança enquanto surge como possibilidade de prepará-la para o processo de amadurecimento, momento em que precisará aprender a lidar com os problemas que girarão a seu redor. Permitirá utilizar seu senso crítico para criar soluções para resolução de conflitos, comparando a ação narrativa com alguma situação vivenciada.
Os contos de fada levam a criança a buscar solução para os problemas, a partir do momento em que se posicionam no lugar da personagem. É a magia presente nos contos de fada que leva o leitor a usar da criatividade para encontrar saídas para as dificuldades encontradas no cotidiano de sua vida. Permite despertar a curiosidade, fazendo fluir a imaginação, estimulando a leitura e o autoposicionamento, levando o leitor a viver em um mundo de sonhos, a vivenciar os personagens, enfim, apaixonar-se pela leitura.
A criança desenvolve um potencial crítico ao ler uma história, duvidando, perguntando, questionando, percebendo que pode mudar sua opinião sobre algum fato e formulando seus próprios critérios sobre novas leituras, dando um significado seu ao texto.
A leitura de gêneros literários infantis proporciona ao aluno uma reflexão crítica, levando-o ao crescimento, já que a leitura de um bom livro permite ao jovem leitor fazer descobertas, se envolver com o conteúdo de forma profunda.
Neste sentido, quanto mais cedo a criança tiver contato com os livros e perceber o prazer que a leitura produz, maior será a probabilidade de adquirir postura crítico-reflexiva, extremamente relevante à sua formação cognitiva, sendo ainda importante ferramenta ao professor alfabetizador.
O maravilhoso, o fantástico, o lúdico são características que acabam por prender a atenção do pequeno estudante, fazendo-o refletir e se posicionar frente aos novos caminhos que surgirão em sua trajetória.
Quanto mais contato a criança tiver com a literatura, que mexe com seu imaginário e que pode ser um instrumento motivador e desafiador, mais ela estará preparada para exprimir seus pensamentos de uma forma reflexiva.
Referências
ABRAMOVICH, Fanny. Literatura Infantil Gostosuras e Bobices. São Paulo: Scipione, 1997
COELHO, Nelly Novaes. Literatura infantil. 7. ed. São Paulo: Moderna, 2009.
GREGORIN FILHO. Literatura Infantil em gêneros. São Paulo: Mundo Mirim, 2012.
ZILBERMAN, Regina. A leitura e o ensino da literatura. Curitiba: InterSaberes, 2012.
Helena Piva
Ministra aulas na SabiaMente de Literatura, Redação e Direito Civil
Professora de Língua Portuguesa e Literatura - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP
Licenciatura com Habilitação para Magistério em Língua Portuguesa - Faculdade de Educação da USP
Psicopedagoga - Faculdade Oswaldo Cruz
Advogada - Faculdade de Direito da USP
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